Se não posso mexer o céu, comoverei o inferno. – Virgílio – Citado também por Freud.

Nos entrelaces bandidos, corpos se misturando, eu ia virando pai, um outro pai; o não biológico mas pai. Alguns e depois muitos, dormiam comigo na alma e me esperavam já de manhã ao acordar, prontos e ansiosos a me verem chegar, por trás de suas grades das celas. De mim eu já vinha feliz de casa, filhos me esperavam. Então nosso encontro foi virando família; honrávamos no sagrado os Lares e os Penates, que nos juntam e nos protegem sempre. Por baixo da minha capa de professor o pai, e por baixo das máscaras deles de bandidos, filhos, muitos filhos. Que talvez e com certeza, aqui, fora de lá daquele inferno, aconteça o mesmo.

Nosso pai lá em casa, alguns ainda pequenos em família, não nos educava e não dava carinho, mas empurrava-nos todos, aos duros e aos apanhos, à religião. Como já disse em falta por outra crônica, nunca beijei meu pai. Queríamos brincar ele nos açoitava e prendia à Bíblia. Ir à igreja tortura mortal, às vezes fingido num bem-estar ou querer. Pelo sofrimento imposto, buscamos nos proteger ou iludir vivendo mentiras. Mas queríamos antes o pai; ora ludibriados em Deus ou naquele que nos dava comida mas impunha uma outra fome de um não ter. Não sei e nunca saberei como nos formávamos assim, numa deturpação parental. O sangue e a alma da Terra não valiam nada, não existiam, só os valores e cânticos do céu, pregados pelo pastor da igreja.

Perdidos então, eu e eles, feito anônimos mas bandidos, íamos nos encontrando nas grades; naquelas penitenciárias lá de Gericinó e nas lacunas que cada um trazia na alma. Dilacerados e bandidos. Por imersão no inferno íamos buscando e conseguindo nos recompor tardios e incompletos; eu pai e eles filhos. No pai que eu lhes trazia, vinha também um filho meio morto ansiando viver. Ao serem meus filhos, todos bandidos como eu, eram também meu pai; aquele amoroso e protetor que eu buscara e que nunca tive.

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