Nunca beijei meu pai. Pois a ordem da igreja dizia não. Meu filho aos doze rejeitou já com ojeriza machista meu colo. Eu quis beijar outro homem. A moral religiosa mostrou-me o inferno no corpo e na alma; jamais se podia pecar. Aos quase cem anos, o corpo cansado já perto da morte de papai pedia-me um beijo. Vontade intensa, minha boca quis mas me negou. Nos últimos anos de mamãe, desejei tantas vezes tê-la nos braços qual namorada feliz. Sua candura até me implorou carinho, que não fiz. Os afetos mortos de vez.

Parece que não temos lar. Eu me batia comigo por dentro em relação aos meus pares de cadeia e a mim. Quando algum entra ou sai, de onde vem? Para onde vai? Perguntas geralmente ausentes nos trâmites dos deslocamentos, fora de qualquer mental, nos burburinhos de vida penitenciária. Pelos muros, dentro e fora deles, há um esquecimento mordaz. Um esquecimento por dentro de outro. Porque saber-se esquecido já é também lembrar. Mas não. O que falo é um segundo depois do primeiro, o esquecer-se de que já esqueceu. Melhor, aquilo que está fora de algum cogito. A família. Não sei como se arranjam meus amigos de carceragem, ao se bandearem felizes, alguns como crianças meio perdidas em cidade nova, na etapa de uma cadeia vencida. Claro que a grande maioria chega nas portarias dos complexos sem horizonte festivo; vinda de não-sei-o quê, de não-sei-daonde. Viraram simples objetos de grades, daí talvez até à morte.

Uns no meu coração. Cuidaram por demais de mim para que não me aprofundasse no crime. Este, o mal, que seja e fosse só deles; a dor. Num momento sem espera disseram-me que saísse, fosse embora dali, para nunca mais voltar. Separação eterna da alta companhia. Às vezes brincamos de correr pela ala. Tudo não passou. Me tratavam como pai, grande pai. Cuidavam de mim por proteção e apego. Angústias e esperas pelas grades manhãs. Infindo-me num passado intenso; como se minha vida, os dias, as coisas, nunca pudessem sair de lá. Um hoje que está no ontem. Ou um ontem que não teima em permanecer; gruda-se às coisas de agora arrastando-as para trás. Qual um amor já vivido permanecendo ao redor, na agregação das flores. Esgarçando a invenção do passado. Por mais e por mais…

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